E também soube tirar partido disso. Sob seu comando, a Accenture, especializada em terceirização, tecnologia e gestão, avançou 60% e fechou 2010 com receitas de US$ 21,6 bilhões. Segundo ele, a subsidiária local foi vital para essa performance. Nesta entrevista exclusiva à DINHEIRO, Bill Green, como ele é mais conhecido, destaca os pontos fortes da economia brasileira. “Acredito que os brasileiros vão liderar a nova onda da globalização”, diz ele. Para Green, ao contrário da China, da Coreia do Sul e de outros países emergentes, a grande vantagem do Brasil foi ter viabilizado o surgimento de uma imensa classe média.
DINHEIRO – Na última década, uma série de empresas brasileiras saiu às compras nos Estados Unidos e na Europa. A lista inclui Camargo Corrêa, Friboi e Coteminas, por exemplo. O sr. acha que chegou a hora do Brasil no capitalismo global?
BILL GREEN – O mundo se acostumou com as empresas americanas saindo às compras pelo mundo afora. Hoje, no entanto, não restam dúvidas sobre o apetite de grandes empresas de países emergentes. A tendência é de que um número cada vez maior de empresários estrangeiros coloquem em sua agenda o crescimento nos Estados Unidos. E acredito que os brasileiros vão liderar a nova onda da globalização. Muitas pessoas confundem países com empresas. Mas, vejamos, por exemplo, o caso da Espanha, que vive uma situação econômica delicada. No entanto, suas corporações, como os bancos BBVA e Santander, além da Telefônica, estão sólidas porque foram além das fronteiras espanholas e hoje têm condições de navegar com tranquilidade em meio aos desafios vividos em seu país de origem.
DINHEIRO – Dentre as empresas líderes globais, o sr. colocaria Ambev e Brasil Foods, por exemplo?
GREEN – Não há dúvidas de que a Ambev está no topo do setor mundial na área de bebidas. Mas, também, existem casos de companhias locais com apetite global no setor bancário e de mineração, por exemplo. E isso mostra que o Brasil se transformou no celeiro das multinacionais. Quando converso sobre mercados emergentes com nossos clientes, nos Estados Unidos e na Europa, costumo dizer que eles não devem temer seu vizinho, mas sim aqueles cujos nomes não conseguem pronunciar. Se analisarmos a lista das 500 maiores empresas do mundo, veremos um grande número de novatas tomando o lugar de companhias tradicionais, nos últimos cinco anos.
"A economia mundial está aquecida, especialmente nos países emergentes"
DINHEIRO – Na sua opinião, há outros fatores favoráveis ao Brasil?
GREEN – Talvez o mais importante deles seja a ambição de um grande número de empresas e de empresários brasileiros no cenário mundial. Não tenho dúvida de que as empresas brasileiras vão liderar a nova onda da globalização. Hoje, muitas delas já são modelos de excelência, não apenas internamente como também no cenário mundial. Cada vez que elas abrem filiais ou adquirem um concorrente pelo mundo afora, criam oportunidades de crescimento também para o mercado brasileiro.
DINHEIRO – O sr. está dizendo que a globalização tem sido positiva para o setor privado, de um modo geral?
GREEN – Sem dúvida. A primeira prioridade de uma empresa que pretenda ser grande ou continuar grande é aprender a operar de forma consistente em nível mundial. Com isso, ela pode adicionar novas experiências e novos conhecimentos ao seu modelo de negócio. Acredito que a economia global está em plena expansão. É claro que persistem grandes desafios. Mas, se olharmos a economia agora e compararmos com 2008, ano em que eclodiu a crise econômica global, veremos que os desafios recentes, apesar de enormes, têm sido enfrentados com relativa tranquilidade.
DINHEIRO – Como assim?
GREEN – Nos últimos 12 meses, o mundo assistiu a crises nas economias da Grécia e de Portugal. Além disso, tivemos o terremoto, seguido de tsunami, que abalou profundamente o Japão. Sem contar os problemas políticos no norte da África e no Oriente Médio. E, mesmo assim, a economia global segue seu rumo graças às oportunidades existentes nos mercados emergentes.
DINHEIRO – O crescimento da economia pode ser sustentável em um país como o Brasil, que possui grandes gargalos, incluindo a baixa qualidade do ensino?
GREEN – A educação é a chave para qualquer país que pretenda se tornar mais competitivo. Posso lhe dizer, no entanto, que estamos bastante satisfeitos com a qualidade da mão de obra de que dispomos no Brasil. Nossos funcionários demonstram possuir as habilidades que procuramos: boa capacidade analítica, senso comum e habilidade para se comunicar. Isso é fundamental para um país se firmar na próxima onda de crescimento. A existência de talentos locais é um dos aspectos levados em conta quando uma companhia busca novos mercados para se expandir.
DINHEIRO – Muitos falam que o exemplo da Coreia do Sul, que fez uma verdadeira revolução em sua educação e em seu sistema produtivo, poderia servir de modelo para o Brasil. O sr. concorda?
GREEN – Minha percepção é de que o grande diferencial do Brasil, em relação aos demais países ditos emergentes, foi ter conseguido fazer surgir uma gigantesca classe média. Trata-se de um movimento sem paralelo na Índia ou mesmo na China, ao menos na intensidade que se vê no Brasil. A Coreia do Sul, por sua vez, conseguiu constituir uma classe média modesta, em termos absolutos, e por isso teve de orientar sua economia para a exportação. O Brasil, ao contrário, aprendeu a usar seus pontos fortes, tanto no campo das riquezas naturais quanto no talento de sua mão de obra e se transformou em um líder natural na América Latina. Agora, as grandes oportunidades do Brasil estão no mercado interno. Esse é um dos motivos que fizeram com que eu colocasse o Brasil no topo da minha agenda. Por isso, não creio que dê para compará-lo com as demais nações ditas emergentes.
DINHEIRO – O domínio da língua inglesa deu à Índia uma espécie de primazia na onda de terceirização de serviços globais de telemarketing. O Brasil acabou alijado desse processo, apesar de contar com um fuso horário mais favorável em relação aos EUA e à Europa. Foi um erro de nossa parte não priorizar esse segmento?
GREEN – A posição geográfica em relação ao Sol não é o diferencial competitivo do Brasil. Na verdade, um país atrai investimentos graças ao talento de seus profissionais, por ser um bom lugar para fazer negócios e por contar com um meio ambiente favorável para negócios. Sem contar, é claro, a existência de uma mão de obra ambiciosa e disposta a aprender e crescer. O Brasil não precisa ficar provando seu valor. O mercado já o definiu como um lugar confiável. Deficiências pontuais na formação de mão de obra, como o conhecimento de novas ferramentas tecnológicas ou a habilidade em algum idioma, devem ser atacadas localmente. É para isso que a Accenture investe US$ 800 milhões por ano em treinamento em nível global. No Brasil, cerca de 30% de nossos funcionários são recrutados no mercado. O restante sai da faculdade direto para a empresa e nossa missão é viabilizar seu desenvolvimento profissional.
DINHEIRO – O estágio atual da economia brasileira pode ser comparado à trajetória verificada em qual país emergente, nos últimos anos?
GREEN – Nenhum deles possui uma economia tão vibrante quanto o Brasil. Existem, contudo, alguns locais que precisamos acompanhar com atenção. As pessoas, às vezes, consideram que a Ásia se restringe à China. É um erro. O Vietnã está se transformando na China da própria China. As indústrias chinesas de alta concentração de mão de obra estão mudando para lá. Mas é a Indonésia que vive uma situação que mais se assemelha à do Brasil. A começar pela disponibilidade de recursos naturais e a existência de um grande mercado interno.
"O Vietnã e a Indonésia também apresentam desempenho espetacular". Centro da cidade de Ho Chi Minh, no Vietnã
DINHEIRO – Tamanho otimismo em relação ao Brasil não seria apenas uma forma de o sr. fazer média com os clientes locais?
GREEN – De jeito nenhum. Nos últimos 45 dias percorri 15 países e ainda irei a mais dois, Chile e Colômbia, antes de retornar aos EUA. Em todos eles, faço questão de conversar com os clientes e com nosso pessoal local para conhecer melhor a cultura, o meio ambiente para negócios e as políticas governamentais. Então, quando faço esse tipo de análise sobre o Brasil, não estou me referindo a teses extraídas da leitura de livros ou de jornais. Mas da percepção de quem compartilha da realidade local. A subsidiária da Accenture é a que mais cresce no mundo há dez anos. Esse é um sinal de que se trata de um mercado em estágio maduro, e não apenas de uma promessa.
DINHEIRO – Nos últimos seis anos em que o sr. atuou como CEO da Accenture, o faturamento da empresa cresceu 60%. Saiu de US$ 13,7 bilhões para US$ 21,6 bilhões. Qual é a sua receita?
GREEN – Isso foi fruto de uma política focada em três aspectos: eficiência global, capacidade das filiais de atender às necessidades dos clientes e tornar disponível o conhecimento gerado dentro da empresa, de modo tão rápido quanto a velocidade da luz. Nesse período, o grande destaque foi o Brasil, que cresceu a uma taxa duas a três vezes acima da média da companhia.
DINHEIRO – Essa seria a fórmula para quem pensa em sobreviver em um mundo globalizado e cada vez mais competitivo?
GREEN – Sem dúvida. É preciso ter em mente que o eixo do poder econômico e político vem mudando nos últimos anos. Do norte para o sul e do oeste para o leste. Se você conversar com o presidente de qualquer companhia global e lhe perguntar onde pretende crescer, a resposta, invariavelmente, será nos mercados emergentes. Mas, apesar das condições apropriadas desses países, nem sempre é fácil atingir esse objetivo.