Construindo sustentabilidade

Construindo sustentabilidade

 

Tijolos que incluem resíduos diminuem o impacto no meio ambiente e podem representar economia para obra

Publicado em 30/01/2011 | Daliane Nogueira

    Um dos principais motores da Economia, a construção ci­­vil também é responsável por índices preocupantes. Dados apresentados pela Organiza­ção das Nações Unidas (ONU) durante a conferência sobre mudanças cli­­máticas no ano passado, no Mé­­xico, apontam que o setor consome 40% da energia produzida, é responsável pela extração de até 30% dos ma­­teriais do meio natural e gera 25% dos resíduos sólidos do planeta. A boa notícia é que o setor começa a se preocupar com isso e a desenvolver produtos que diminuam o im­­pacto no meio ambiente desde a ba­­se da construção: os tijolos.

“A constatação de que a construção é um dos principais agentes poluidores não é nova. É a partir disso que se tem buscado soluções que minimizem os efeitos”, diz o engenheiro civil Fernando Arns, professor da Pontifícia Universidade Ca­­tólica do Paraná (PUCPR) e coordenador do projeto Ecohabitare Sistemas Sustentáveis. Junto com os alunos da instituição, ele desenvolveu um tipo de tijolo ecológico feito a partir de pó de mármore. “Fizemos um levantamento e constatamos que 51% das marmorarias do estado ficam no entorno de Curitiba. O volume de resíduo é muito grande: cerca de 500 quilos por dia em cada empresa”, afirma.

Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Daniel Castellano/Gazeta do Povo / O engenheiro civil Anderson Zamo, proprietário da Ecoideia, mostra o tijolo sustentável: ganho de produtividade Ampliar imagem

O engenheiro civil Anderson Zamo, proprietário da Ecoideia, mostra o tijolo sustentável: ganho de produtividade

Ecomadeira combina serragem e resíduos industriais

Imagine um produto que tem aparência de madeira, pode fi­­car na área externa sem a necessidade de cuidados especiais e ain­­da dura pelo menos 20 anos. Essas são as promessas da chamada ecomadeira, um produto que usa 50% de serragem de ma­­deira e 50% de resíduos industriais de plástico. A técnica paisagista Wan­­da Coelho, professora do Centro de Educação Profis­sio­­nal de Design, Artes e Profis­sões (Cep­­dap), começa a usar o produto em projetos para áreas externas. “Estou implementando o revestimento em torno de uma piscina e dá para notar ou­­tro charme e aconchego com a apli­­cação desse material.”

Ela explica que as propriedades físico-químicas são as mesmas da madeira, mas com a vantagem de não deteriorar com o tempo, dispensar o uso de verniz, ser antiderrapante e drenan­te. Um dos fabricantes do produto é a Madeplast, de Curitiba. Se­­gundo a empresa, é possível reciclar totalmente o produto, que é reincorporado à linha de produção. “O mais importante é a versatilidade. A ecomadeira pode estar em um deque no jardim e em um painel para a tevê na sala, por exemplo”, aponta Wanda.

As alunas do curso de De­­sign de Interiores da instituição Ana Claudia Staros­ta, An­­nelise Michels e Cas­­siana Faria apostaram no de­­senvolvimento de uma estante com o produto. “O material substitui a madeira convencional e ainda é possível serrar, cortar, pregar, pa­­rafusar e trabalhar usando as mesmas fer­­ramentas e má­­quinas da ma­­deira convencional”, diz Ana Cláu­dia. A de­­signer afirma, ain­­da, que o pro­­duto garante bom acabamento para os rodapés e rodatetos.

Ostras

Solução que veio do mar

Não só de resíduos de obras é pos­­sível criar produtos para a cons­­trução civil. A engenheira am­­biental catarinense Bernadete Batista buscou inspiração no mar e viu nas cascas de ostras um pro­­duto útil para produção de blocos. “Santa Catarina produz 12 mil toneladas de ostras e mariscos por ano. Com uma tonelada de cascas são feitos quatro mil blocos, o suficiente para construir uma casa de 120 metros quadrados.”

A inventora explica que o pó obtido da casca substitui parte do cimento dos blocos de concreto. Segundo Bernardete, o produto é até 30% mais resistente que o bloco convencional e absorve menos água. “Há redução de até 40% no custo total de uma obra, com desperdício zero”, garante. O projeto mais importante realizado com o “bloco verde” em Florianópolis foi a pavimentação da orla da avenida beira-mar norte, além de obras residenciais e comerciais.

O uso do pó de mármore possibilita a redução da quantidade de cimento necessária para a formação do bloco e faz com que o produto tenha mais resistência mecânica, preço competitivo e dispense o uso de reboco, elenca o professor.

Saibro

Ideia parecida, mas baseada nas formas naturais de fabricação, foi de­­senvolvida pelo empresário Wolni Duwe, sócio da Ecotijolo, que há oito anos pesquisa possibilidades para reduzir o impacto ambiental da cons­­trução civil. Ele criou um tijolo feito da mistura de saibro (combinação de argila e minerais normalmente usada nas quadras de tênis), ci­­mento e água. “Usa-se apenas o que sobra do saibro. Não é preciso extraí-lo e de­­gradar o meio ambiente.”

Tanto o bloco feito com resíduo de mármore quanto o produto feito com saibro dispensam o processo de queima pelo qual passa um tijolo ce­­râmico comum. “Depois de confeccionados (em prensa hidráulica com pressão de oito toneladas), os tijolos de saibro são mergulhados em tambores de água reaproveitada da chuva e secos naturalmente. Esse processo garante até o dobro de resistência ao produto”, diz Duwe, que construiu a pró­­pria casa com o bloco. O produto desenvolvido com pó de mármore não precisa ser umedecido e sai da prensa di­­reto para a secagem.

Método

Para o professor, além da preservação ambiental, as vantagens são a rapidez para concluir uma obra e a limpeza no canteiro. Os tijolos têm dois furos, por onde passam as tubulações dos sistemas hidráulico e elétrico. “Dispensam-se as vigas com caixaria de madeira, e o ferro que sustenta as paredes é colocado nos furos do bloco”, explica Arns. “Uma casa de 100 metros quadrados fica pronta em até dez dias.”

Esta praticidade é atestada pelo construtor e engenheiro civil An­­der­­son Zamo, proprietário da Ecoideia Construtora Sustentável. Ele garante que há ganho de 20% em produtividade e economia de até 30%. “O preço do tijolo ecológico é maior. O milheiro custa cerca de R$ 450, contra R$ 350 do tijolo cerâmico. Porém não se usa reboco nem cal. Pode-se partir direto para a fixação de revestimentos.”

Desafios

Como ainda não há uma norma de qualidade exclusiva para os blocos ecológicos, segue-se o padrão de produção com base nas regras da Asso­­ciação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em relação a blocos de concreto e cerâmica. “Temos a patente do tijolo ecológico com pó de mármore e agora é preciso criar uma cultura de uso desse e de outros produtos com o mesmo apelo”, diz o professor da PUC PR. “Quando houver uma norma específica, será possível requerer um selo verde para uma certificadora, como, por exemplo, o Green Building.”

Com a criação da norma, Arns diz que será possível usar tijolos ecológicos em obras financiadas pela Caixa Econômica Federal e em programas de habitação como o Minha Casa, Minha Vida. Além do pó de mármore, até o fim do ano, o projeto Eco­habitare vai estudar o uso da caliça (fragmento de argamassa resultante da demolição de obras de alvenaria) para a fabricação de tijolos e outros materiais. “Um dos itens da sustentabilidade é aproveitar os resíduos gerados na comunidade. O mármore é um caso específico de Curitiba. Já a caliça da construção está presente em todos os locais.”

Fonte:gazetadopovo.com.br