Tijolos que incluem resíduos diminuem o impacto no meio ambiente e podem representar economia para obra
Publicado em 30/01/2011 | Daliane Nogueira
“A constatação de que a construção é um dos principais agentes poluidores não é nova. É a partir disso que se tem buscado soluções que minimizem os efeitos”, diz o engenheiro civil Fernando Arns, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coordenador do projeto Ecohabitare Sistemas Sustentáveis. Junto com os alunos da instituição, ele desenvolveu um tipo de tijolo ecológico feito a partir de pó de mármore. “Fizemos um levantamento e constatamos que 51% das marmorarias do estado ficam no entorno de Curitiba. O volume de resíduo é muito grande: cerca de 500 quilos por dia em cada empresa”, afirma.
Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Ampliar imagemO engenheiro civil Anderson Zamo, proprietário da Ecoideia, mostra o tijolo sustentável: ganho de produtividade
Ecomadeira combina serragem e resíduos industriais
Imagine um produto que tem aparência de madeira, pode ficar na área externa sem a necessidade de cuidados especiais e ainda dura pelo menos 20 anos. Essas são as promessas da chamada ecomadeira, um produto que usa 50% de serragem de madeira e 50% de resíduos industriais de plástico. A técnica paisagista Wanda Coelho, professora do Centro de Educação Profissional de Design, Artes e Profissões (Cepdap), começa a usar o produto em projetos para áreas externas. “Estou implementando o revestimento em torno de uma piscina e dá para notar outro charme e aconchego com a aplicação desse material.”
Ela explica que as propriedades físico-químicas são as mesmas da madeira, mas com a vantagem de não deteriorar com o tempo, dispensar o uso de verniz, ser antiderrapante e drenante. Um dos fabricantes do produto é a Madeplast, de Curitiba. Segundo a empresa, é possível reciclar totalmente o produto, que é reincorporado à linha de produção. “O mais importante é a versatilidade. A ecomadeira pode estar em um deque no jardim e em um painel para a tevê na sala, por exemplo”, aponta Wanda.
As alunas do curso de Design de Interiores da instituição Ana Claudia Starosta, Annelise Michels e Cassiana Faria apostaram no desenvolvimento de uma estante com o produto. “O material substitui a madeira convencional e ainda é possível serrar, cortar, pregar, parafusar e trabalhar usando as mesmas ferramentas e máquinas da madeira convencional”, diz Ana Cláudia. A designer afirma, ainda, que o produto garante bom acabamento para os rodapés e rodatetos.
Ostras
Solução que veio do mar
Não só de resíduos de obras é possível criar produtos para a construção civil. A engenheira ambiental catarinense Bernadete Batista buscou inspiração no mar e viu nas cascas de ostras um produto útil para produção de blocos. “Santa Catarina produz 12 mil toneladas de ostras e mariscos por ano. Com uma tonelada de cascas são feitos quatro mil blocos, o suficiente para construir uma casa de 120 metros quadrados.”
A inventora explica que o pó obtido da casca substitui parte do cimento dos blocos de concreto. Segundo Bernardete, o produto é até 30% mais resistente que o bloco convencional e absorve menos água. “Há redução de até 40% no custo total de uma obra, com desperdício zero”, garante. O projeto mais importante realizado com o “bloco verde” em Florianópolis foi a pavimentação da orla da avenida beira-mar norte, além de obras residenciais e comerciais.
O uso do pó de mármore possibilita a redução da quantidade de cimento necessária para a formação do bloco e faz com que o produto tenha mais resistência mecânica, preço competitivo e dispense o uso de reboco, elenca o professor.
Saibro
Ideia parecida, mas baseada nas formas naturais de fabricação, foi desenvolvida pelo empresário Wolni Duwe, sócio da Ecotijolo, que há oito anos pesquisa possibilidades para reduzir o impacto ambiental da construção civil. Ele criou um tijolo feito da mistura de saibro (combinação de argila e minerais normalmente usada nas quadras de tênis), cimento e água. “Usa-se apenas o que sobra do saibro. Não é preciso extraí-lo e degradar o meio ambiente.”
Tanto o bloco feito com resíduo de mármore quanto o produto feito com saibro dispensam o processo de queima pelo qual passa um tijolo cerâmico comum. “Depois de confeccionados (em prensa hidráulica com pressão de oito toneladas), os tijolos de saibro são mergulhados em tambores de água reaproveitada da chuva e secos naturalmente. Esse processo garante até o dobro de resistência ao produto”, diz Duwe, que construiu a própria casa com o bloco. O produto desenvolvido com pó de mármore não precisa ser umedecido e sai da prensa direto para a secagem.
Método
Para o professor, além da preservação ambiental, as vantagens são a rapidez para concluir uma obra e a limpeza no canteiro. Os tijolos têm dois furos, por onde passam as tubulações dos sistemas hidráulico e elétrico. “Dispensam-se as vigas com caixaria de madeira, e o ferro que sustenta as paredes é colocado nos furos do bloco”, explica Arns. “Uma casa de 100 metros quadrados fica pronta em até dez dias.”
Esta praticidade é atestada pelo construtor e engenheiro civil Anderson Zamo, proprietário da Ecoideia Construtora Sustentável. Ele garante que há ganho de 20% em produtividade e economia de até 30%. “O preço do tijolo ecológico é maior. O milheiro custa cerca de R$ 450, contra R$ 350 do tijolo cerâmico. Porém não se usa reboco nem cal. Pode-se partir direto para a fixação de revestimentos.”
Desafios
Como ainda não há uma norma de qualidade exclusiva para os blocos ecológicos, segue-se o padrão de produção com base nas regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em relação a blocos de concreto e cerâmica. “Temos a patente do tijolo ecológico com pó de mármore e agora é preciso criar uma cultura de uso desse e de outros produtos com o mesmo apelo”, diz o professor da PUC PR. “Quando houver uma norma específica, será possível requerer um selo verde para uma certificadora, como, por exemplo, o Green Building.”
Com a criação da norma, Arns diz que será possível usar tijolos ecológicos em obras financiadas pela Caixa Econômica Federal e em programas de habitação como o Minha Casa, Minha Vida. Além do pó de mármore, até o fim do ano, o projeto Ecohabitare vai estudar o uso da caliça (fragmento de argamassa resultante da demolição de obras de alvenaria) para a fabricação de tijolos e outros materiais. “Um dos itens da sustentabilidade é aproveitar os resíduos gerados na comunidade. O mármore é um caso específico de Curitiba. Já a caliça da construção está presente em todos os locais.”